sábado, 30 de junho de 2007

Fundo de Arquivo: Noção e Aplicação

FUNDO DE ARQUIVO

O princípio de proveniência remete-nos para um conceito de extrema importância para os arquivistas: a noção de Fundo de Arquivo. O fundo de arquivo corresponde à seguinte definição:
CONCEITO
«Conjunto de documentos de qualquer natureza –isto é, independentemente da sua idade, suporte, modo de produção, utilização e conteúdo– reunidos automática e organicamente –ou seja, acumulados por um processo natural que decorre da própria actividade da instituição–, criados e/ou acumulados e utilizados por uma pessoa física ou moral ou por uma família no exercício das suas actividades ou das suas funções».

Se a instituição foi extinta e já não produz documentos estamos, neste caso, perante um fundo fechado. Em contrapartida, o fundo é aberto quando o organismo continua a produzir documentos que se vão reunindo no seu arquivo.
O fundo de arquivo representa, em última análise, a unidade fundamental de organização arquivística a partir da qual se vão fixar todas as unidades de trabalho utilizadas pelos arquivistas.

A aplicação prática deste princípio coloca, por vezes, diversos problemas, sobretudo quando estamos perante organismos que apresentam uma estrutura muito complexa, composta por unidades que se cruzam e cuja importância varia.

Um destes problemas prende-se com uma visão maximalista ou minimalista do fundo. Aqueles para quem o fundo cobre a realidade mais vasta são chamados de maximalistas. Por outro lado, os arquivistas para quem o fundo cobre a mais pequena unidade indivisível, são os minimalistas.
Há, no entanto, como refere Michel Duchein, cinco critérios a reter para identificarmos um fundo de arquivo:
  • Para produzir um fundo de arquivo um organismo deve possuir um nome e uma existência jurídica próprias, resultantes de um acto (lei, decreto, portaria, etc.) preciso e datado.
  • O organismo deve possuir atribuições precisas e estáveis, definidas por um texto com valor legal ou regulamentar.
  • A sua posição no seio da hierarquia deve ser definida com exactidão através do acto que lhe deu origem (em particular, a sua subordinação a outro organismo de nível mais elevado deve ser claramente conhecida).
  • O organismo deve ter algum poder de decisão.
  • A sua organização interna deve, tanto quanto possível, ser conhecida e fixada num organograma.

A aplicação destes cinco critérios leva às seguintes consequências:

  • As divisões ou secções internas de um organismo não respondem aos requisitos para originar um fundo de arquivo.
  • Por outro lado, qualquer organismo que possua uma existência jurídica e um nível de competência próprio, dá origem a um fundo de arquivo, mesmo estando subordinado a um organismo de nível hierárquico mais elevado.
  • Os organismos locais dependentes de um organismo central produzem fundos de arquivos que lhes são próprios.
  • Por tudo isto, torna-se imprescindível que se introduza em arquivística uma nova noção que se prenda com a existência de uma hierarquia de fundos correspondente à hierarquia de organismos produtores, acarretando a subordinação de certos fundos em relação a outros, isto é, torna-se imprescindível a introdução da noção de subfundo.

Em caso de mudança e, sobretudo, de transferência de competências devem ser seguidas as seguintes regras para delimitar os fundos de arquivos:

A) Regra geral, os documentos que são transferidos de uma instituição activa para uma outra instituição também activa e que foram integrados por esta última, deverão ser considerados como pertencentes ao fundo da instituição que os recolhe.

B) Pelo contrário, o fundo de uma instituição extinta deve ser sempre considerado como autónomo do fundo de arquivo da instituição que o recebe, a não ser que a junção dos dois fundos seja de tal forma coesa que a sua separação e identificação seja impossível.

O Método da Arquivística

A arquivística é, como vimos, uma ciência de informação social que tem como objecto de estudo os arquivos, quer na sua estruturação interna e dinâmica própria, quer na interacção com os outros sistemas correlativos que coexistem no contexto envolvente.

A adequação da arquivística ao seu objecto processa-se através de um método próprio que é concebido para conhecer, interpretar, explicar e gerir informação.

Este método tem em conta duas vertentes:

VERTENTE QUANTITATIVA
Porque o objecto da arquivística é susceptível de observação, de experimentação e de medida.

VERTENTE QUALITATIVA
Porque no trabalho de reconstituição do seu objecto se verificar a implicação modeladora do sujeito (isto é, do arquivista) fazendo, por isso, emergir uma certa dose de subjectividade ou, por outras palavras, de objectividade relativa.
O método da arquivística pode, pois, definir-se de acordo com quatro vertentes de análise:
  1. A da problematização científica (vertente epistemológica)
  2. A dos princípios (vertente teórica)
  3. A da abordagem operacional (vertente técnica)
  4. A da forma (vertente morfológica)

1. VERTENTE EPISTEMOLÓGICA

Na vertente epistemológica opera-se a permanente construção do objecto científico e a delimitação da problemática da investigação. É neste âmbito que se dá a reformulação constante dos parâmetros discursivos, dos paradigmas e dos critérios de cientificidade – objectividade, fidelidade e validade – que norteiam todo o processo de investigação.

2. VERTENTE TEÓRICA

Na vertente teórica manifesta-se a racionalidade predominante do arquivista com o seu objecto de estudo. Esta vertente prende-se já com a postulação de leis e com a formulação de conceitos operatórios e subsequente verificação dos mesmos. Estas leis e estes conceitos são os seguintes:

  • PRINCÍPIO DA ACÇÃO ESTRUTURANTE
    Todo o arquivo resulta de um acto fundador – individual ou colectivo, formal ou informal – que molda a estrutura organizacional e a sua especificidade funcional em evolução dinâmica.
  • PRINCÍPIO DA INTEGRAÇÃO DINÂMICA
    Todo o arquivo integra e é integrado pela dinâmica do universo sistémico que o envolve.
  • PRINCÍPIO DA GRANDEZA RELATIVA
    Todo o arquivo se desenvolve como estrutura orgânica simples ou complexa.
  • PRINCÍPIO DA PERTINÊNCIA
    Todo o arquivo disponibiliza informação que pode ser recuperada segundo a pertinência da estrutura organizacional.

3. VERTENTE TÉCNICA

Na vertente técnica o investigador toma finalmente contacto, por via instrumental, com a realidade objectivada. Neste sentido, e ao longo deste último século, têm surgido diversos procedimentos técnicos virados para as diversas valências dos arquivos e que vão da descrição até à difusão, passando pela organização, conservação e recuperação da informação arquivística. Nesta vertente importa, contudo, realizar ainda duas operações maiores:

  • OBSERVAÇÃO CASUÍSTICAS OU DE VARIÁVEIS
    Isto é, recolher exaustivamente os dados histórico-institucionais, normativos e reguladores, assim como descrever a natureza e o funcionamento interno do arquivo, através de diversos tipos de questionários, entrevistas ou inquéritos.
  • AVALIAÇÃO RETROSPECTIVA E PROSPECTIVA
    Ou seja, sujeitar os resultados da observação a um rigoroso exame que permita revelar e tipificar o essencial da estrutura de cada arquivo (avaliação retrospectiva) ou antecipar situações potenciais (avaliação prospectiva), quer no respeitante ao contexto orgânico – contexto de produção –, quer na sua orientação funcional – de serviço –, isto é, a rede dos circuitos por onde transita a informação e dos diversos instrumentos que permitem transferi-la, recuperá- la e difundi-la.


A introdução de soluções informáticas na chamada «gestão documental» pautadas por exigências de eficácia e eficiência na recuperação da informação, a conveniência de um arquivo se manter centralizado ou passar a descentralizado, a avaliação do crescimento de determinado arquivo são exemplos de algumas questões ou de variáveis de estudo que se devem igualmente colocar nesta vertente técnica.

4. VERTENTE MORFOLÓGICA

Finalmente, na vertente morfológica reflecte-se a eficácia destas operações. Trata-se da organização e da apresentação dos dados, devidamente crivados na vertente teórica e aferidos na vertente epistemológica.